quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Cárcere da submissão - 1ª parte



Houve uma época em que surgiu na internet, uma misteriosa escritora. Esta nunca mencionara o seu verdadeiro nome, nem muito menos a sua imagem e detalhes de sua vida pessoal, para que ninguém pudesse descobri-la. Apenas a conheciam como Lilla Bittencourt. O seu interesse de fato era tão puro e simplesmente a Literatura Licenciosa. O seu rosto era uma incógnita para os seus leitores ávidos em degustar cada linha de seu erotismo levado à flor da pele. Os números de seus acessos só cresciam.
Muitos a julgavam como um gay frustrado ou simplesmente uma trans relatando as suas aventuras sexuais, dado o seu exímio capricho em descrever tão detalhadamente sobre o sexo anal.
Quando recebia comentários em seus textos ou e-mails de pessoas falando sobre a tal suspeita, pegava-se rindo sozinha em frente a tela do computador. Já que naquela época os modernos telefones celulares não existiam.
***
Até que um dia, ela confiou a sua vida para outro escritor. Diferente dela, Heitor Kannemberg amava se mostrar e não tinha o menor pudor em relatar as suas conquistas, digamos sexuais. Como dividiam e compartilhavam da mesma paixão pela escrita e um amor incondicional pela Literatura Erótica, assim como em seus textos a cada novo contato, ele conseguia minar ainda mais a sua confiança. E mal ela sabia o plano em que ele tinha em sua mente, por detrás de todo aquele interesse.
Por acreditar nele, que aqui não passa de um mero pseudônimo, conseguiu arrancar dela as suas mais íntimas confissões sexuais.
Heitor Kannemberg por achá-la uma mulher à frente do seu tempo, sem nenhum tipo de amarras às convenções sociais, no fundo bem no fundo a desejava. Ainda mais que depois de muita insistência, a tal escritora misteriosa, não enviou somente foto de seu rosto, como também lhe confiou um nudez.
Ele por sua vez, não escondeu o seu entusiasmo, ainda mais por ela possuir uma pele muito clara e seus pensamentos volitaram por caminhos sombrios de seus fetiches sexuais.
E a nossa cara escritora licenciosa confiava a cada dia mais em Heitor Kannemberg...
Os contatos deixaram de ser através de mensagens e passaram para os telefonemas. Ambos já conheciam as suas vozes. O também desejo florescia entre os dois, assim com a passagem do tempo. E ela muito inteligente não reconhecia os sinais nas entrelinhas das frases daquele homem. E seus desejos passeavam por seu corpo, todas às vezes, que via a sua imagem refletida na tela do computador. Pois se mostrava bastante atraente e viril. De cor morena... E o dote masculino bem definido.
Em uma bela manhã, enquanto Lilla revisava um de seus textos, ouviu uma notificação do Messenger. Heitor Kannemberg após digitar um bom dia, perguntou se seria incômodo fazer uma ligação, pois teria uma proposta a lhe fazer. Prontamente, Lilla atendeu lhe dando permissão e ele assim o fez. No mesmo instante o celular começou a tocar e, ao identificar no visor que realmente fazia contato. Ao atendê-lo eufórica, depois dos cumprimentos de praxe, ele então fez a sua proposta: Queria que ela trabalhasse para ele.
No início, Lilla ficou animada com o que ele lhe propusera. Porém, por outro lado ficou pensativa. Não o conhecia o tão bem suficiente para saber se poderia confiar ou não. Pois o seu escritório de trabalho funcionava em seu próprio apartamento. Ou seja, seria somente os dois, pois ele não era casado. As suas condições trabalhistas soavam excelentes, ainda mais para quem estava precisando. Porque viver de Literatura no Brasil é bem complicado. Embora pudesse decorrer facilmente por alguns gêneros Literários o campo do erótico era o seu preferido. E aquele convite de Heitor Kannemberg vinha bem a calhar na atual situação em que se encontrava. E ainda teria um tempo para desenvolver os seus próprios projetos.
No decorrer de alguns dias, Heitor Kannemberg foi passando como trabalhariam e as funções que deveria executar. Algo como horário, tarefas e principalmente as condições. Por último, ele lhe passou o endereço e pontos de referências e marcaram o dia no qual Lilla deveria iniciar a trabalhar. Tanto um quanto o outro estava ansioso.
No final de semana que se antecedeu ao dia, Lilla Bittencourt se preparou escolhendo a roupa com a qual iria para o seu primeiro dia de trabalho, arrumou os cabelos, fez as unhas e depilou-se.
Mal dormiu de tanta ansiedade. E antes do celular despertar, ela já estava de pé. Para não perder o horário, cuidou logo cedo do café, tomou banho, arrumou-se, uma maquiagem de leve. Aguardou alguns momentos antes de sair, ouvindo músicas em sua play list... Respirou fundo e saiu em direção à estação do metrô mais próxima de seu bairro, para aquele horário, completamente lotada. E só em pensar em ter que passar por aquilo todos os dias da semana a desanimava um pouco. Mas pensava na compensação financeira que receberia e valeria à pena cada sacrifício, já que no escritório de Heitor Kannemberg, ficaria sentada sob o ar condicionado, mexendo no computador, fazendo algumas anotações, revisaria alguns de seus textos, tendo assim acesso de primeira mão as suas criações.
No trajeto do metrô até o seu bairro, Lilla procurou não pensar muito, concentrou-se em sua respiração e na pouca visão que a janela lhe permitia visualizar do mundo lá fora de dentro daquela lata de gente. Foi despertada quando ouviu o anúncio da estação na qual deveria descer. O endereço anotado em um pedaço de papel no bolso do vestido, com os pontos de referências que Heitor havia lhe passado e o que anotou da internet foi fácil localizar o prédio. Ao se identificar, o porteiro autorizou a sua entrada, pois o seu nome já se encontrava na lista de permissão. O que dava todo um ar formal. Afinal de contas, seria a primeira vez em que ela e Heitor se encontrariam pessoalmente.
O elevador acionou e foi parar no andar desejado. Enfim, encontrava-se no corredor em frente à porta do apartamento de Heitor Kannemberg. Quem realmente seria este homem?
De imediato, ao tocar a campainha, a porta se abriu, sendo recebida pelo próprio que, antes de mencionar qualquer palavra a examinou dos pés à cabeça.
Lilla Bittencourt ou quem quer que ela seja não era uma mulher de chamar a atenção por onde passava, mas tinha lá os seus atrativos. O que seria do azul se todos gostassem do amarelo?
- Bom dia! – Lilla Bittencourt tentou cortar o silêncio.
Mas ele não a respondera e continuava em silêncio, examinando minuciosamente, como se possuísse uma visão de raio-x o seu corpo por cima da roupa.
Lilla começou a bater a ponta do pé direito demonstrando a sua inquietação pela falta de consideração ou até mesmo de educação e sem perceber fez um estalo com os dedos.
- Entre... Fique à vontade! Não é assim que costumo receber as visitas e nem muito menos quem trabalha ou trabalhará comigo! – Ele tentou se justificar.
Lilla deu um passo à frente e em um movimento natural parte de seus cabelos bateram no ombro de Heitor Kannemberg que sentiu o seu perfume.
- Embriagador... – Disse ele.
- O que disse? – Ela quis saber.
- Tem um excelente gosto para perfume! – Ele a elogiou.
- Obrigada! – Ela agradeceu.
Aquela situação era um tanto diferente. Uma coisa era estar por atrás de um computador ou na ponta da linha telefônica. Agora estar pessoalmente com Heitor Kannemberg, por mais que tivesse fantasiado alguma coisa com ele, a partir daquela manhã, conforme seguisse a pequena reunião sobre o trabalho, tudo dando certo, ou seja, saindo da maneira que estivesse imaginado, ele se transformaria em seu patrão, não mais um leitor de suas pequenas obras.
Heitor Kannemberg lhe ofereceu algo para beber, ela aceitou apenas um copo d’água que ele mesmo lhe a serviu sem o menor constrangimento.
A ansiedade continuava a tomar conta de seu corpo, porém, procurou disfarçar da melhor maneira possível. E sabendo lidar com o assédio na internet, não se sentia tão à vontade com os olhares dele sobre o seu corpo.
Na rede era diferente. Quando alguém a assediava através de comentários de seus contos eróticos, ela respondia de tal maneira que a pessoa já a enxergava como autora e não como personagem. Embora seja natural, o leitor tentar ou imaginar a autora inserida na obra. Mas a imaginá-la como? Mas se nem ao menos o seu rosto era estampado nos sites em que participava. Ou em seu próprio blog... Havia muito mistério!
Ambos se dispuseram cada um em uma poltrona, de frente para o outro, não muito distante. As palavras de Heitor ecoavam pela ampla sala, decorada com simplicidade, mas não deixava de ser requintada, mostrando um pouco de sua personalidade, de modo natural, mas o seu olhar lhe dizia ao contrário: Devorava-a feito um animal faminto. Talvez usasse de estratégia para não assustá-la. E, no decorrer, ficou acordado todos os por menores e todas as dúvidas foram sanadas. E, por fim, ele lhe mostrou o espaço físico que estaria à sua disposição, assim como as suas dependências do apartamento. E o seu quarto, localizava-se no final do corredor. Lilla Bittencourt sentiu um arrepio quando ele lhe indicou a porta. No início, achou desnecessário, mas nada comentou. Ela lhe pediu licença e se dirigiu ao lavado que lhe indicara à pouco tempo. Ela tinha a necessidade de respirar um pouco e sozinha.
Ao ocupar a sua mesa, ela tomou conhecimento de tudo o que ele lhe falara. A sua primeira providência foi checar a sua caixa de e-mails. Os quais tivessem com a seguinte marcação: Pessoal, ela não poderia abrir de modo algum. Com o tempo se acostumaria..
No seu primeiro dia, Heitor a acompanhou de perto, caso tivesse alguma dúvida. Até almoçaram juntos. Ele foi muito cordial e solícito. E ao final do expediente, fez questão de levá-la até a porta.
Ao retornar para a sua casa, foi refletindo. E apesar de certa intimidade no mundo virtual, Heitor soube se comportar.
***
Na manhã seguinte, ao chegar à portaria, o porteiro lhe informou que Heitor não se encontrava no apartamento e, que havia lhe deixado as chaves para entregá-la. E muito educada, agradeceu a gentileza.
De início, ficou um pouco receosa por ficar sozinha naquele apartamento, mas não podia voltar, senão o seu emprego estaria em jogo e, teria assumido o compromisso. E sem muito pensar, seguiu pelo corredor, pegou o elevador e chegando ao andar, enfiou a chave e abriu logo a porta.
Ao tomar o seu lugar, percebeu que Heitor havia lhe deixado um bilhete junto com uma lista de tarefas do dia. E que assim que a cumprisse estaria liberada. No PS que havia deixado, avisava que tinha deixado o almoço na geladeira e era apenas esquentar no micro ondas.
- E quem disse que irei almoçar? – Ela se perguntou para si mesmo.
Naquele dia, ela parou apenas para ir ao banheiro, e por volta das 14:00 horas, ela finalmente terminara.
Ao desligar o computador, passou a mão na sua bolsa e deixou o apartamento trancando a porta.
Ao se dirigir ao elevador:
- Com licença... Boa tarde! Esse não é o apartamento do senhor Heitor Kannemberg? – Uma mulher loira, fazendo a linha fatal se aproximou.
- Boa tarde! É sim! – Lilla a respondeu.
- Não sabia que ele havia se casado! – A loira continuou.
- Não! Não! Eu apenas trabalho para ele! – Ela continuou.
- Sim! Compreendo... – Ela comentou.
- Com licença! Preciso ir! – Ela se despediu entrando no elevador.
“O que será que aquela mulher queria saber?”
Lilla ficou pensativa, mas achou melhor deixar para lá.
Rapidamente deixou as chaves com o porteiro e se despediu. Nem percebeu que ele ligara para Heitor Kannemberg avisando que ela acabara de deixar o apartamento. Fez um pequeno lanche na estação do metrô e se dirigiu para casa.
O que será que Heitor Kannemberg pretendia com aquele jogo?
***
Em seu terceiro dia de trabalho, Lilla Bittencourt encontrou com Heitor, mas ele apenas lhe deu algumas instruções, chamando a sua atenção por ter deixado de almoçar no dia anterior e, deixou-a sozinha, mas antes do horário do almoço, ele retornou e compartilharam desse momento como em outro dia.
Naquele mesma data, ele à dispensou um pouco mais cedo, porque receberia visitas e desejava ficar a vontade com elas. Então, ela lhe pediu licença e foi se preparar no lavado, e se despediu saindo um pouco sem jeito, mas com uma pontinha de ciúme aflorando em seu coração. Logo se lembrou da loira da tarde anterior. Mal sabia ela que aquele homem prestava atenção em cada detalhe, no menor possível... No mínimo de suas reações.
***
- Mas ele disse visitas... Enfatizando o plural! Mas sabe de uma coisa? Deixa pra lá! Não é problema meu! – Ela saiu falando sozinha.
- Boa tarde senhorita Lilla! Está com algum problema?  Posso ajudá-la? – Queria saber o porteiro.
- Desculpa seu Antonio! Só estava falando com os meus botões! Boa tarde! – Ela se corrigiu.
- Tão nova! Vai ver que está com algum problema. – Ele falou ao vê-la se distanciando e ficou pensativo.
No caminho de casa, Lilla tentava imaginar o que poderia estar acontecendo naquele apartamento. Para tentar se distrair retirou um livro da bolsa e mergulhou no seu mundo de fantasias, ao menos teria o prazer da leitura.
***
Em seu quarto dia, recebeu as chaves das mãos do porteiro.
- Bom dia senhorita Lilla!  - Ele a cumprimentou.
- Bom dia seu Antonio! – Ela retribuiu.
- O senhor Heitor disse que está descansando em seu quarto, mas pediu para lhe entregar as chaves. – Ele continuou com o recado.
- Tudo bem! Vou subir e fazer o meu trabalho. Obrigada! – Agradeceu Lilla.
Ao entrar no apartamento, não pôde deixar de notar algumas taças usadas no bar. E duas delas possuíam manchas de batom. Lilla tocou em uma, levando-a próximo as narinas, como desejasse arrancar dali alguns segredos.
- Bem que eu imaginei! – Disse em voz alta.
Neste instante foi interrompida por um pigarro do patrão que se aproximou trajando apenas um roupão.
- Bom dia! Desculpe a ousadia do meu traje! – Ele a cumprimentou com sarcasmo.
- Bom dia! Tudo bem! Acredito que possuímos um pouco de intimidade para tal fato! – Ela continuou.
- Mas de um jeito ou de outro, sou o seu chefe! – Ele frisou.
Neste momento Lilla corou ao perceber certa protuberância que se formava por baixo do tecido, fazendo com que se sentisse febril.
- Com licença! – Ela pediu.
- Não precisa ser tão formal. Agora é minha vez... Já dissertamos sobre tantas coisas pela rede ou via telefone. – Foi a vez dele pedir.
- Mais uma vez, com licença! – Lilla falou e se dirigiu para a sua mesa de trabalho e ele se retirou.
Heitor Kannemberg não apareceu mais no decorrer do dia. Ela não tirou o seu horário de almoço. Ao terminar, deixou um bilhete e da mesma forma que ele fizera de manhã, entregou as chaves ao senhor Antonio. Assim, evitaria fofocas com o seu nome pelos corredores do prédio.

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